-Um dia vais perceber, seja lá quando for, todas as coisas absurdas que este velho te diz. – dizia ele, com a mão enrugada sobre os meus cabelos castanhos e um sorriso entristecido no rosto. Era evidente que se referia á minha avó. Cuja partida era demasiado recente para que estivesse conformado – se algum dia o conseguisse ultrapassar (quase por milagre – assim o temo). Era como se, para ele, a única razão da sua existência tivesse simplesmente deixado de existir. Tornara-se um vazio. Até as flores deixaram de o cativar. Passava horas sentado á porta da estufa, a olhar para a entrada. Talvez na esperança de ver a minha avó sair com as rosas em punho –assim o era todos os domingos.
-Estas são para ti meu amor. – tantas vezes o ouvia dizer á minha avó, enquanto lhas passava para o colo.
O meu avô era o maior dos românticos, por algum motivo partiu pouco tempo depois da minha avó sucumbir ao cancro. Usava uns óculos redondos que o assemelhavam aos poetas clássicos. A par das suas rosas, o grande amor da vida do meu avô só tinha um nome: Rosa – a minha avó.
E agora que cresci, e que a vida me foi tirando o chão cada vez que tentava empoleirar-me no céu, percebo perfeitamente todas as metáforas lamechas que o meu avô fazia em cada conversa nossa. Percebo, contudo, que amor como o deles é difícil de se encontrar por aí. Um amor cujo fim nem a própria morte conseguiu consumir. Ás vezes, quando as luzes da rua se apagam e a almofada é a única que me pode ouvir, faço réplicas constantes dos sonetos do meu avô. Peço-lhe um amor como o deles. E, embora eu saiba que o amor deles só existiu porque foi tirado de um livro cujo autor não se chama destino, acredito vivamente que, estejam eles onde estiverem, estão a torcer para que eu viva um amor como o deles.
Tenho o coração gasto pelos tropeços que dei na minha própria felicidade, contudo, acredito vivamente que não foram á toa todas as vezes em que o meu avô colocou a mão enrugada sobre os meus cabelos castanhos e disse:
"Tu nasceste para ser feliz minha neta!"
《...》 ♡
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