terça-feira, agosto 14, 2018

As cartas do meu avô

Quando o meu avô me dizia que o amor é como uma planta que precisa de ser regada, tinha sempre por hábito sorrir-lhe, fazendo-o acreditar que não era demasiado imatura para perceber o sentido das suas palavras.

-Um dia vais perceber, seja lá quando for, todas as coisas absurdas que este velho te diz. – dizia ele, com a mão enrugada sobre os meus cabelos castanhos e um sorriso entristecido no rosto. Era evidente que se referia á minha avó. Cuja partida era demasiado recente para que  estivesse conformado – se algum dia o conseguisse ultrapassar (quase por milagre – assim o temo). Era como se, para ele, a única razão da sua existência tivesse simplesmente deixado de existir. Tornara-se um vazio. Até as flores deixaram de o cativar. Passava horas sentado á porta da estufa, a olhar para a entrada. Talvez na esperança de ver a minha avó sair com as rosas em punho –assim o era todos os domingos.

-Estas são para ti meu amor. – tantas vezes o ouvia dizer á minha avó, enquanto lhas passava  para o colo.

O meu avô era o maior dos românticos, por algum motivo partiu pouco tempo depois da minha avó sucumbir ao cancro. Usava uns óculos redondos que o assemelhavam aos poetas clássicos. A par das suas rosas, o grande amor da vida do meu avô só tinha um nome: Rosa – a minha avó.

E agora que cresci, e que a vida me foi tirando o chão cada vez que tentava empoleirar-me no céu, percebo perfeitamente todas as metáforas lamechas que o meu avô fazia em cada conversa nossa.  Percebo, contudo, que amor como o deles é difícil de se encontrar por aí. Um amor cujo fim nem a própria morte conseguiu consumir. Ás vezes, quando as luzes da rua se apagam e a almofada é a única que me pode ouvir, faço réplicas constantes dos sonetos do meu avô. Peço-lhe um amor como o deles. E, embora eu saiba que o amor deles só existiu porque foi tirado de um livro cujo autor não se chama destino, acredito vivamente que, estejam eles onde estiverem, estão a torcer para que eu viva um amor como o deles.

Tenho o coração gasto pelos tropeços que dei na minha própria felicidade, contudo, acredito vivamente que não foram á toa todas as vezes em que o meu avô colocou a mão enrugada sobre os meus cabelos castanhos e disse:
"Tu nasceste para ser feliz minha neta!"

《...》 ♡

segunda-feira, agosto 13, 2018

Sobre o tempo


Perdi a conta às vezes em que ouvi o meu pai dizer-me: “Tu tens lá idade para perceber isso.” Não fosse uma das minhas maiores virtudes a teimosia e eu era bem capaz de reflectir sobre o assunto. E, teimosia ou não, a verdade é que as circunstâncias da vida têm-me dado garantias de que estava certa quando teimava em dizer-lhe que a idade não significa nada. “A idade é uma treta!” – respondia-lhe tantas vezes.

A idade. A idade e essa ideia absurda de que é o tempo que define absolutamente tudo. Vai-se lá saber porquê, é suposto haver idade predefinida para tudo: Idade para crescer. Idade para dar o primeiro beijo. Idade para namorar. Idade para perder a virgindade. Idade para ser-se mãe. Idade para casar. Idade para dizer-se palavrões. Que treta!
Ora vejamos: Se assim o é como se justificam todos os casos insólitos que abrem as capaz dos nossos jornais? Se assim o é porque é que há tanta gente crescida a agir como autênticos imbecis? Vejamos o grande exemplo da televisão portuguesa “Secret story” e não é preciso ir-se muito longe para perceber que se há coisa que não define o carácter, é a idade.

O que a vida me tem provado é que , contrariamente ao que teimava em defender o meu pai, a idade é tudo menos um indicador para o que quer que seja. É a vida. A vida e as circunstâncias que dela fazem parte. As experiências. As quedas. Os ensinamentos que tiramos de tudo aquilo que corre mal e as forças com que nos levantamos, todos os dias, dispostos a lutar para mudar aquilo que não está bem.

A nossa capacidade de superação é a maior das nossas forças. E, seja com 10, 20, 40 ou 70 anos, pouco importará a idade que tenhamos quando se trata de lutar por aquilo em que acreditamos. O carácter que possuímos nada tem que ver com as coisas que vivemos mas sim com aquilo que decidimos fazer perante aquilo que tenhamos vivido.

Se estás á espera de crescer para puder ser alguma coisa, acredita em mim, jamais serás coisa nenhuma. São as portas que a vida te permite escolher para abrir que ditarão onde chegarás. Contudo, tomar a decisão de escolher os caminhos certos levar-te-á, muitas vezes, a cair no erro de bater com a porta no nariz.

O mais importante: Não desistir – nem de ti, nem daquilo que queres ser.