segunda-feira, outubro 05, 2015

Perder-te

Amar-te é tudo o que eu sei fazer. E perder-te estava fora dos meus planos. A possibilidade da vida levar-te de mim era tão provável quanto a lua cair em direcção á terra. Mas a verdade é que, mesmo que eu nunca o tenha concedido como algo provável, o facto é que aqui estou eu: coberto de negro e de vazio. A suportar o corpo da tua irmã que, embebido em fármacos, chora sem ter lágrimas o lamento de uma perda inesperada. Se realmente existir a possibilidade a que todos chamam de “vida além da vida” eu espero mesmo que estejas aqui. E que tenhas a possibilidade de ver e sentir o quanto foste amada enquanto a doença não te levou de nós.

O cemitério está cheio de pessoas, algumas delas cujas faces eu não consigo reconhecer. Mas a verdade é que, por mais estupido que possa parecer, não olho para a multidão para ver se reconheço todas estas caras. Faço-o na esperança desesperada de reconhecer os teus olhos verdes entre os demais. Como vou viver eu sem eles?

Começou a chover. Pelo menos agora posso disfarçar as lágrimas que caem dentro de mim como uma cascata sem água. Há milhares de possibilidades no mundo há disposição dos meus sonhos e eu só queria ter-te comigo, incluir-te em cada um deles, como fiz até hoje. Ouvir-te reclamar com as luvas cheias de terra que eu pousava na banca de lavar loiça junto com o regador e a pá de bricolagem. Despertar o teu mau humor matinal e viver para sempre com aquele teu sorriso cravado no rosto, sabendo que eu era 99% do leque de motivos. Pelo menos tu dizias. Não mintas.

Há bastante tempo que deixei de ouvir o discurso carinhoso que o teu pai está a fazer enquanto o teu corpo desce para a última morada. Estou a conter-me para não sair daqui aos berros e atirar-me da primeira rabina que encontrar mas a tua irmã parece que mergulhou num mar profundo e eu, tal como me pediste, não deixarei que ela se afogue. Cuidarei de todos aqueles que tu estavas habituada a cuidar. Farei por ti tudo aquilo que fizeste por mim, por nós e por todos aqueles que te amam. Ainda assim, não me julgues cada vez que quiser desistir. Porque honestamente aquilo que agora nos separa é a única coisa que nos une: a morte e a possibilidade de ela existir para mim.


Descansa em paz meu amor, em breve seremos dois. 

quarta-feira, setembro 09, 2015

Uma carta do tempo

Às vezes, senão muitas, são os mais fortes que desistem. Somente os fortes são capazes de admitir as suas fraquezas (que ao fim ao cabo não o são) e seguir em frente mesmo tendo “deixado”, parte do que um dia foi relativamente eterno, para trás. E por falar em eternidade, convém relembrar que a eternidade, e quase tudo na vida, muda todos os dias. Assim como o caminho que fazemos. Sim, porque a vida é um caminho. E só vive quem consegue, consciente dos riscos, dos buracos, dos desvios e de toda a bosta material que se entranha em nós de vez enquanto, continuar de pé sem medo de caminhar.
Isto não faz com que pensemos a vida como uma tragédia grega ou um mar de frustrações onde o único barco onde embarcar é o Titanic. Não é isso. Até porque, se a vida fosse um porto, certamente cada um de nós teria muito onde embarcar. O mais importante é saber, seja por instinto ou cálculo estimado, eleger o barco certo. E, caso não se acerte à primeira, não perder a vontade de voltar ao porto é mais de meio caminho andado para se conseguir embarcar. Seja a nado, seja a remo. O principal na vida, neste caso, é não desistir. Resumindo e concluindo, desistir e lutar é quase a mesma coisa. E é para fortes.
Lembra-te sempre disto: Às vezes é preciso ser mais forte para desistir do que já não tem pernas para andar do que lutar por algo que parece não ter pernas. Caminhos, Barcos ou livros. É tudo a mesma coisa. As metáforas são diferentes, a vida vale sempre o mesmo: é única e é a tua: vais viver?

Com amor, 

Tempo.

segunda-feira, setembro 07, 2015

Perdida em ti


Todas as noites, antes de deitar, eu ainda sinto o teu cheiro nos lençóis que nunca mais tive coragem de colocar. Ainda permanece a imagem desfocada da tua mão sobre a minha. Ainda há raspas de limão e pétalas de rosas por tudo o que é canto – tu e essa tua mania de querer ser romântico.

Tenho a almofada cheia e a alma vazia: o que posso fazer para te ter de volta?
Hoje é só mais uma noite: uma das 365 noites em que já adormeci na ausência da tua presença. E, desde que partiste, nada mudou: continuo a desejar acordar ao teu lado, com aquele sorriso que me rasgava o peito: porque agora tudo o que me resta é um peito rasgado sem o teu sorriso. Aquele que fazias cada vez que eu dizia que ninguém fazia café como tu. Aquele que consigo ver nitidamente de olhos fechados como se ainda aqui estivesses.

Ainda tenho o teu relógio parado no meu pulso. Sabes para que serve? Para sentir que o tempo está parado e que em vez da vida ter-te roubado de mim, fui eu quem escolheu parar de viver para não te ver partir. Como podes ver ainda sou a mesma egoísta de sempre. Mas o que é amar senão ser covarde e egoísta? Aliás, eu sei (tu dizias) que o relógio só voltará a trabalhar no teu regresso. Mas, então, tu nunca mais voltaste. O que vou fazer a esse respeito? Diz-me! Diz-me quantas cordas terei eu de rasgar até que o meu coração volte a bater por um relógio que nunca voltará a pulsar.

Tenho a caixa do correio cheia de postais, de cartas que ficaram por ler e de abraços que ficaram por entregar. E por falar em lembranças, será que ainda te lembras da forma como nos completávamos? É que, não sei se o mundo sente o mesmo, mas eu continuo a tentar completar um puzzle sem fim: era nosso e agora foi-se.


Que mal há em duas pessoas que se amam e que querem ficar juntas para sempre? Raios partam quem criou em nós essa ideia de ser-se eterno quando a única certeza que temos é a de que caminhamos todos para o mesmo fim: a morte.

domingo, setembro 06, 2015

Faltas tu em mim todos os dias


Falta-me tudo menos a tua falta. Falta-me o ar, o er e o ir. Falta-me o ontem, o hoje e o amanhã. Falta-me o dia, a noite e a sombra que existe entre ambos. E, entre o tudo e o nada, faltas-me tu, a par da luz dos teus passos, do calor dos teus braços, da humidade dos teus lábios, e de todo o resto que resta de mim e de ti (de nós). Falta-me ainda, e agora mais do que nunca, a força  (e loucura) necessárias para continuar a viver na tua ausência. Essa falha que me consome, por dentro e por fora, enquanto única certeza de tudo.

E, por mais que eu queira, hoje ser forte é um prodígio. Viver sem ti é não viver. É avassalador ver tudo o que construímos, aos pedaços, espalhados pelas vitrinas da saudade como se fossem pólvora seca em tempo de guerra, onde o tempo repousava como quem se arrastava em tropeços constantes e o amor era um amuleto da sorte. 
E por falar em tropeços e amuletos da sorte, falta-me a tua mão a cada queda e o teu consentimento cada vez que tento acreditar em algo transcendente. 

E agora diz-me:
Como posso eu viver? Sem a luz dos teus passos, o calor dos teus braços...
Porque, quer queira quer não queira (e acredita que já não quis quantas vezes necessárias), para mim, viver é amar-te. E amar-te é tudo o que sei fazer enquanto alguém que vive. Mas, como amar-te ausente? Como ausentar-me desta dor sem saber amar-te de outra forma? 


Resta esperar que o tempo se arraste um pouco mais até que se esgotem todas as pilhas do mundo que fazem o relógio continuar a trabalhar. Esse relógio que carregas ao peito e cujos ponteiros só te levam, á medida que o tempo passa, para mais longe de mim. E longe de mim deixar que o tempo leve a única coisa que me faz viver: amar-te.