O dia já se foi e a lua reinará em breve. Mais um dia terminou e tu não voltas-te. A campainha não tocou, a porta não se abriu, a carruagem não se ouviu ao fundo da rua e o meu coração faz tempo que parece ter parado com medo de partir. Enquanto oiço o meu pai tocar no piano a música mais triste do mundo, lá fora a chuva começa a cair com leveza. E, á medida que a música se aproxima do refrão a chuva fica mais intensa. Como se se tratasse de um contraste sem nexo. O olhar do meu pai parece cada vez mais apagado, tal como o meu. É como se a morte da minha mãe o fizesse compreender perfeitamente a dor que sinto. Quando a pessoa que amamos nos deixa, da forma que for, o mundo parece não fazer mais sentido. É como se o futuro já não fosse prestar e é como se o passado fosse a única coisa boa para o resto das nossas vidas. Ao longo destes anos o meu pai sempre lidou com a doença da minha mãe como se fosse uma mensagem de Deus. A doença fé-los viver o amor com mais intensidade, passaram a aproveitar cada segundo. No entanto, embora o meu pai sempre tivesse demonstrado conformismo, por de trás da compaixão surgiu nele um lado mais frio. É como se, á medida que o tempo passa ele fique cada vez mais distante da realidade. Como se tivesse nas mãos uma bomba que, minuto a minuto, se aproxime da explosão. Agora que tudo terminou o meu pai não vive mais. É como se grande parte dele tivesse ido junto com a minha mãe e o pouco que ficou não fizesse diferença alguma. Acredito que o amor é para sempre. No entanto, acredito que ele é demasiado forte para terminar como terminou o nosso. Se realmente partis-te é porque o nosso amor nunca chegará ao amor dos meus pais. Um amor eterno, capaz de superar a doença e a morte.
Beijei o rosto do meu pai, que nem se moveu, e subi até ao meu quarto enquanto o som do piano ficava para trás como promessa de um retorno. Deixei a chuva percorrer o meu rosto e adormeci com uma nuvem de recordações insensatas e impuras de dois amantes que se perderam para sempre.
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