As minhas pernas correm como jamais correram antes e, mesmo sem saber para onde se dirigem, elas fogem de algo que desconheço.
As minhas roupas, sujas e gastas, rasgam-se a cada passada e a minha alma, feita em pedaços, fica para trás, aos poucos, como o rasto de alguém que não eu.
Sinto a saliva a evaporar dos lábios e o ar a desaparecer por entre os cactos do deserto. A imagem desfocada de tudo o que percorri para chegar àquele lugar torna-se cada vez mais presente. Mas que lugar?
Certamente a falta de água começa a manifestar-se em delírios da minha personalidade frágil e medrosa.
Corre, corre, corre !
Mas correr para onde?
Não interessa para onde, segue o teu coração, melhor mapa do que esse nunca vais encontrar.
A voz na minha cabeça desvanecia a cada palavra, era como se, tal como eu, ela estivesse perdida.
As pernas falharam e, juntamente com a botija de água vazia, o meu corpo cedeu e caiu.
Sentia-me tão leve e desorientada que era como se se tratasse de uma folha de outono a cair sobre a vegetação, não eu .
Na minha cabeça alguém implorava para que me levantasse, exigindo que o fizesse o mais rápido possível. No entanto, o meu corpo negava qualquer tentativa, da minha parte, de fazê-lo mover-se. Por breves instantes senti-me completamente sozinha, eu e o sol secante do deserto americano. Eu e os cactos verdejantes, eu e os insectos e os lagartos camuflados.
O meu estado de delírio tinha desaparecido por uns segundos, no entanto, voltára: Na minha cabeça passavam fragmentos da minha vida, em pequenas imagens distorcidas. Era como se todos se estivessem a despedir de mim, até eu própria.
LEVANTA-TE ! FOGE !
Quando dei por mim o meu corpo encontrava-se verticalmente tenso, as minhas mãos assemelham-se a garras e sinto a pele encrispar-se como a pelugem de um leopardo. Os meus olhos arregalaram-se e, sem mais nem menos, uma vaga de adrenalina compensou a falta de nutrientes, fazendo-me sentir animalescamente forte.
As minhas pernas começaram a correr, mesmo antes de pensar em fazê-lo. Eu agia sem pensar, sem querer, sem exigir a mim mesma o que quer que seja.
Mas, de repente, não ouvia apenas os meus passos perdidos - eu ganhara companhia.
Sim, eu sinto alguém a correr comigo, a correr comigo? Não! Alguém corre para mim, contra mim.
Antes do meu pensamento terminar, mesmo antes de fazê-lo, algo fez-me recuar e parar.
Um braço firme e pesado entrelaçou-me a cintura e travou-me.
Sem me deixar pronunciar o que quer que fosse, o homem moreno de olhos verdes, tapou-me a boca com uma das suas mãos e gritou:
-Já a tenho comigo! - a voz grossa e o tom determinado daquele homem fez-me tremer.
Talvez nunca soubesse qual o final daquela emboscada. No entanto, fosse como fosse, o meu lugar não era ali e eu tinha de sair.
Só há duas maneiras de fazê-lo: ceder e morrer ou lutar e viver.
A escolha está automaticamente feita !