sexta-feira, abril 20, 2012

Sentida Homenagem

-Estás preparado?
-É claro que estou preparado. - Ainda que incertas, as minhas palavras fizeram-se ouvir de tal forma convincentes, que até convenceram-me de que estava seguro.
Dirigi-me ao centro do palco, onde estava o microfone, regulei-o de forma a conseguir projectar a minha voz e dei o sinal para que abrissem as cortinas.
Ao mirar aquela multidão de gente, em silêncio, as minhas pernas queriam correr para bem longe daquele local. A minha garganta parecia secar a cada segundo, no entanto, algo dentro de mim exigia que estivesse ali e que começasse a falar. Tanto quanto aquela multidão de gente desejosa por ouvir-me.

-Bom, antes demais, queria agradecer, do fundo do meu coração a todos aqueles que me ajudaram, desde o principio, a prestar esta merecida homenagem àquela que foi, para quase todos os presentes, de uma forma ou de outra, uma lutadora, uma grande heroína e, acima de tudo, uma grande mulher. -sentia o meu coração de tal forma a bater no peito que, muito provavelmente, já deveria ter rebentado. Bebi um pouco de água, respirei fundo e prossegui - Como devem calcular, não tem sido nada fácil viver sem a presença da Sofia na minha vida. Em tudo o que vivemos juntos, nestes curtos mas longos 10 anos de casamento, o que mais me admirava nela, para além da sua beleza , era a força e a determinação com que ela sempre encarou os problemas e, muito mais foi a sua força e coragem ao enfrentar a noticia de que teria de despedir-se num pequeno e curto espaço de tempo. De certa forma ela não se despediu de ninguém. Tal como sempre me dissera, ela não acredita que as pessoas partem e nunca mais se vêem. Eu quero acreditar que seja verdade.  
Sei que, todos vocês aqui presentes conheciam-na, de um modo geral, como uma mulher doce e sorridente. A Sofia foi sempre a amiga  presente, a irmã para todas as horas e a filha preocupada que, por vezes, aparentava ser a mão dos próprios pais. A sua capacidade de captar todas as energias e distribui-las a quem precisava era uma capacidade que tornava a Sofia um ser humano único.
Para que vejam o quão corajosa ela foi:  em todas as sessões de Quimioterapia, embora a sofrer por dentro e por fora, a Sofia sorria-me e dizia "já vai passar meu amor, eu estou bem." como se fosse eu que estivesse a sofrer mais do que ela. Aquele sorriso dava-me força, o mesmo sorriso que talvez ela precisasse e que, nem sempre, eu consegui oferecer-lhe.
-Mais uma vez, as minhas palavras falharam e tive de recompor-me para conseguir continuar a falar .-Sabem, lembro-me como se fosse hoje: uma quinta-feira, ao fim da tarde, por volta das 18h e qualquer coisa. Eu estava no jardim a cuidar das roseiras enquanto o Mike (o nosso cão) destruía as minhas luvas de jardinagem. Ela estava no sofá, ao pé da piscina, a ler a revista semanal, quando o telefone tocou e Sofia foi atender.
Continuei no meu hobbie durante algum tempo, tempo esse suficiente para estranhar a demora de Sofia.  Lavei as mãos na piscina e dirigi-me para dentro. Mal olhei o seu rosto e percebi que algo de grave se tinha passado, no entanto, ela sorriu para mim antes de desmaiar. - Sentia todos os olhares daquela sala postos em mim. Todos ouviam o meu discurso de tal forma atentos, que nada os fazia desviar o olhar. Voltei a beber um golo de água e respirei fundo para prosseguir. - E então, desde esse dia, todos os outros dias foram vividos com mais intensidade. Passei a amála ainda mais, a ver como ela era bela, como ela ainda é  bela e será sempre dentro do meu coração e da minha memória. No fundo, o que quero é mostrar a todos vocês a grande mulher que, para além do que vocês sempre conheceram, ela foi, ela é e sempre será. Ao longo do tempo consegui perceber que quando algo que é nosso nos é  retirado, é na sua ausência que reside o seu verdadeiro valor.
Para terminar, queria ler vos algo que a Sofia me entregou, poucos dias antes de partir, e me pediu que vos lesse.

Desci o olhar em direcção á pequena carta que já se encontrava aberta nas minhas mãos trémulas e, sem uma pinta de saliva e os olhos cobertos de lágrimas, comecei a ler:

"Querido Henrique, amados pais e irmãs, bondoso Mike e eternos amigos, companheiros e admiradores: Antes demais, quero justificar o facto de, apenas hoje, ficarem a saber o verdadeiro motivo pelo qual não estou presente: É verdade, há cerca de meio ano foi-me diagnosticada "a doença da moda", da qual resultaria, com 99,9% das probabilidades, a minha partida inesperada. Sei o quão difícil será para vocês aceitarem, com calma e passividade, esta partida do destino. No entanto, lembrem-se sempre da lutadora que eu tentei ser e da mulher eternamente grata pela vida que eu sempre serei. Sejam compreensivos e, se necessário, agarrem-se ás bonitas recordações daquele que foi o nosso passado. Revejam os meus documentarios na televisão, os álbuns de fotografias do meu casamento e todas as fotografias que tirámos juntos. Sei o quão egoísta fui ao ter-vos mentido durante este tempo todo, contudo, acreditem: tempo algum é demasiado para se viver na ignorância da felicidade. - a minha voz cedeu ao poder daquelas palavras, mas em poucos instantes, perante o olhar de todos aqueles que desejavam ouvir aquela carta, eu ganhei forças e continuei.- Não sei ao certo por onde caminharei quando todos vós estiverdes a ouvir estas minhas palavras, transmitidas pelo meu sempre amado e eterno marido, no entanto acreditem que estarei sempre entre vós.
Um muito obrigado, do fundo da minha alma e do meu coração, a todos aqueles que contribuíram, de uma forma ou de outra, para a vida feliz que vivi.
Não encarem esta carta como uma despedida, mas sim como um breve mas demorado até já. "

A sala foi mergulhada pelos aplausos e pelas lágrimas emocionadas de quase todos os presentes. A carta estava completamente borratada pela tinta da caneta com que ela tinha escrito aquelas palavras e as lágrimas com que eu li as mesmas. Encarei aquela multidão que já se encontrava de pé e aplaudia infinitamente por entre assobios e palavras de força e de gratidão.
Os meus olhos arregalaram-se quando, como por magia, no meio daquela vasta multidão, eu vi a silhueta de Sofia que, com um largo sorriso e os olhos cheios de água,  aplaudia na minha direcção e desenhava com os lábios a palavra "Amo-te".
Um sorriso abriu-se no meu rosto como se ela o tivesse pintado. O meu peito encheu-se de felicidade e a saliva, que faltara o tempo todo, voltou.
"Ela sempre cumpriu as suas promessas. Ela vai estar sempre comigo." - pensei.

1 comentário:

  1. Tocaste na fase mais complicada da minha vida. Eu passei por esse sofrimento, o meu pai tambem teve a doença da moda e teve o mesmo destino da Sofia. Qual será esse destino? Será que nos vê, que nos ouve? Gostava de pensar que sim. Ha muita coisa que gostava de lhe dizer, que ele visse as minhas alegrias e tristezas por muitos anos. O dia da sua partida foi o mais dificil da minha vida. Não ha dia em que nao pense nele. Mas como escreveste, temos de nos agarrar as boas memórias. Só assim temos coragem se seguir a nossa vida com a certeza de que as nossas vitórias são todas dedicadas a ele.

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