domingo, outubro 07, 2012

A dor de quem fica


"Nunca na minha vida 30 segundos demoraram tanto tempo. Jamais um elevador demorara  tal eternidade.
Corri pelo corredor fora em direcção ao quarto e, ao vê-lo, o mundo desabou.
Qualquer tentativa,  da minha parte, em tentar acreditar que tudo não passaria de um pesadelo, foi aniquilada naquele preciso momento. Os meus olhos confirmavam tudo o que até então eu tentava consumir como um possível engano.
"É mesmo ele". - pensei.
Era como se eu estivesse a viver um pesadelo e estivesse naquela fase em que toda a gente espera que alguém a acorde para não ter de sofrer mais. Mas, na realidade, ninguém me acordou.
Descolei do chão e segui, a passos lentos e fracos, até à cama onde, imaculadamente, o Tomás estava deitado : aparentemente parecia estar a dormir à meses. A minha esperança estúpida em acreditar que tudo não passaria de um susto tornara-se, mais uma vez, aparentemente credível, sustentando-se de pequenos pormenores inventados pela minha cabeça.
Pousei, de leve, a minha mão sobre a dele e a minha pele arrepiou-se ao sentir tal frieza. Aquele que sempre fora o mais forte, o mais caloroso e o mais guerreiro, agora, transparecia uma impotência extremamente realista.

 - Eu sei que estás aí e, por isso, eu preciso que me oiças antes que seja tarde demais. - há medida que tentava falar, sentia as minhas palavras fugirem, como se, subitamente, eu estivesse a ficar vazia. - Ouve-me Tomás: O que vai ser de mim sem ti? O que vai ser de "nós"? O que vai ser do piano sem o toque dos teus dedos? do meu coração sem as tuas mãos para guiá-lo? do jardim sem os teus cuidados? do cão sem os teus banhos? do gato sem os teus pés ao fundo da cama? O que vai ser da folha de papel eternamente vazia e da tela onde, pacientemente, pintas-te um mar de sonhos? sonhos esses que ainda estão por concretizar.
Tu que me ofereceste o céu. Tu que me mostraste o verdadeiro significado da palavra paraíso e a possível semelhança que este tem com o inferno (...) Por favor, não deixes que me atirem das nuvens. Não me deixes.

Seguido destas palavras manteve-se um silêncio petrificante. A sala foi preenchida pelo vazio da dor e da angustia. Era como se estivesse disposta a qualquer coisa para impedir que partisse.
Eu esperava, ansiosamente, que ele reagisse, que ele abrisse os seus lindos olhos verdes e me sorri-se. Contrariamente a todas as minhas expectativas, ele  permaneceu igual aos meus pesadelos. O meu corpo começava a ficar cada vez mais fraco, aparentemente atropelado pela realidade das circunstancias.
- Independentemente do que vai acontecer eu quero que saibas que... - comprimi os lábios e libertei todo o ar dos meus pulmões através das palavras. -  a minha resposta é sim. Eu aceito casar-me contigo.


E então a realidade tornou-se num grande e doloroso pesadelo. Era como se ele estivesse à espera de ouvir tais palavras para depois, subitamente, partir.
As lágrimas deixaram-me muda  e correram sobre o meu rosto, agora vazio e dilacerado pela dor do momento. Aquele "piiiiiiiiiiiiiii" e o significado dele tornaram-se sufocantes  juntamente com a confusão que se instalou no quarto: os médicos, os enfermeiros.
E, por muito que eu quisesse salvá-lo, eu senti, naquele momento, que obrigá-lo a ficar era um acto de egoísmo. Era como se tivesse lido nos seus lábios a palavra "ADEUS", seguidos de um sorriso.

E até hoje, acreditem, eu só queria poder ter partido com ele, fosse para onde quer que ele estivesse indo, caminhando por onde caminhasse, na companhia de quem fosse, eu só queria ter morrido com ele. Porque na realidade, tudo o que eu era, tudo o que ele, um dia, tivera colocado dentro mim, tudo o que construíra até então, tudo isso, simplesmente: foi-se. "

A plateia levantou-se preenchendo a sala de aplausos e lágrimas. Ela fechou o pequeno diário e transpareceu um leve sorriso a todos. Ela sentia-se feliz porque, de uma forma ou de outra, ela sentira que ele estivera presente em todo o seu discurso e que estes haviam estado, um dia, casados.