terça-feira, janeiro 31, 2012

Órfão




Quando acabei de fechar a última mala, bateram á porta.
-Acabei mesmo agora de fazer as malas! - exclamei com um sorriso falso -vamos?
-Tem a certeza de que é isto que quer ? sabe que...
-Chiuuu - sussurrei impedindo-o que continuasse a falar.

Faltava pouco para o por do sol e tinha de apressar-me. Carregamos as centenas de malas vazias e, quando as lágrimas queriam denunciar-me, eu traí-as.

-Espere, eu esqueci me de algo lá em cima.
-Quer que...
-Não! Eu vou lá, já volto. -respondi correndo em direcção á longa escadaria.

Abri a porta, que afinal já estava aberta, escorreguei no tapete que não existia e levantei-me com a força do vento. Depois, corri em direcção ao quarto, aquele onde à anos não conseguia entrar, abri a gaveta e retirei a foto que já não la estava.

Não?

Pois não, a fotografia estava sob a cama mal feita, aquela onde brincava com a minha irmã mais nova.
Peguei a foto e desci sem nunca mais olhar para trás.
É melhor assim!
Sim, talvez fosse melhor.

Antes que voltasse a bombardear-me de perguntas mandei-o calar-se e entrei no grande e velho carro que, um dia, pertenceu aos meus pais.
A viagem foi longa e demorada. Olhava a paisagem e fazia para não pensar em tudo o que deixava para trás. Há medida que o carro se afastava da casa era como se conseguisse sentir as migalhas a cair estrada fora. Como um rasto de tudo o que nunca passou de um vazio.

Finalmente, quando cheguei á estação, retirei as malas e, sem deixar que falasse, abracei-o profundamente e saí a correr até ao comboio.
Entrei, sentei-me e deixei que a dor se apoderasse de mim. Tinha a perfeita noção de que esta era a única forma de ser feliz – recomeçar uma vida longe do passado, aquele que tanto me atormenta e me magoa.

Descansa.

Convencida pelo cansaço, alimentei a ideia de que era melhor recomeçar a história perdida. A história de uma criança feliz com a infância perdida e atormentada pela verdade, de uma mulher que não tinha lugar num mundo onde não pertencia e de um ser sem destino que caminhava para longe de tudo.

De tudo?

Os meus olhos fecharam-se automaticamente e a minha memória parou no tempo. Cada vez que tentava recorrer ao passado havia uma parede negra e forte que me impedia de fazê-lo. Não lutei para derruba-la. Haveria de existir um lugar para mim onde quer que fosse, longe daqui.

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