quinta-feira, janeiro 26, 2012

Amar em tempo de Guerra

O inevitável e derradeiro dia tinha chegado. A mala estava já preparada e carregada. Enquanto se despedia da casa eu fiquei encostada ao balcão da cozinha com a tigela do leite encostada aos lábios, a tentar afogar a dor sufocante que sentia no peito e que aumentava á medida que os ponteiros circulavam em volta do relógio da sala. Aquele “tic-tac” aniquilava qualquer tentativa da minha parte para esquecer, por um segundo que fosse, o que estava para acontecer.
Quando finalmente desceu as escadas, carregando o resto das malas, ele olhou-me e depois deslocou o olhar para o relógio que tinha no pulso, como se quisesse evitar pronunciar-se.
-Eu sei , está na hora. – as minhas palavras frias estavam a arder de dor.

Sem dizer uma única palavra, dirigiu-se para a porta de entrada e saiu deixando-a entreaberta. Rodei o corpo em direcção ao balcão, despejei o leite da caneca e pousei-a na banca. Apertei as extremidades do balcão com as mãos e trinquei os lábios para que as lágrimas não caíssem. A buzina do carro suou forte e percebi que não valia de nada estar ali a evitar o inevitável. Saltei para a entrada e saí vestindo o longo casaco que ele mesmo me oferecera pelo meu aniversário.

A viajem até à estação foi longa mas nem por isso dissemos o que quer que fosse um ao outro. Não havia palavras nem vozes dentro daquele carro, apenas o silêncio doloroso da ocasião inevitável. Enquanto percorríamos o aglomerado de vegetação eu lembrava-me dos passeios que fizéramos de bicicleta, das caminhadas ao fim do dia e dos piqueniques de manhãzinha.

Os meus pensamentos foram interrompidos por uma mão fria e áspera que tocou na minha pálida e frágil.

-Chegamos. Estás bem? – Era como se as palavras dele fossem pronunciadas sem qualquer intervenção de sentimentos.
Abri bruscamente a porta do carro e sai sem pronunciar uma única palavra.

                                                           *  *  *

Agora estávamos ali, ambos parados a olhar a listagem de comboios que se aproximavam da hora de partida. As minhas pernas começavam a tremer e a dor no peito parecia querer explodir com ele. Tentara controlar me o mais que pudera mas parecia ceder aos meus instintos. Pousei com leveza a mala que segurava e virei-me para ele, obrigando-o a olhar-me nos olhos. Respirei fundo e disse-lhe:
-Tu não me podes deixar outra vez, por favor.
-Eu vou, mas eu volto. –a mão dele pousou sobre o meu rosto e apanhou a lágrima que me caia pela face. As suas palavras saíram acompanhadas de um sorriso tão forçado e doente que parecia mais pálido do que nunca. Ele estava a sofrer.
-Até quando ? até quando vou ter de esperar por ti? –Entrelacei os braços em redor do seu corpo e o choro apoderou-se de mim. Tinha tanto medo de perde-lo. Até quando teria a certeza de que ele voltava? O meu guerreiro não podia lutar mais. Não podia perder a minha vida. Ele não respondeu à minha pergunta e deixou-me chorar. Embalou o meu corpo e o meu pranto até as lágrimas cederem e sumirem com o calor daquela manhã.
Depois de garantir que estava mais calma ele pegou a minha mão e, olhando-me de forma a parecer convincente, sussurrou-me:
-Eu prometi voltar sempre, prometi amar-te e estar ao teu lado até ao fim dos meus dias e é isso que vou fazer. –depois desceu a mão até ao meu ventre e continuou- ele vai cuidar de ti na minha ausência.

 Sim, o Nosso bebe cuidará de mim na sua ausência. Mas, quem cuidará de nós? Por muito que me custasse não podia deixá-lo partir com a imagem de uma grávida patética e frágil a choramingar. Forcei um sorriso rasgado e juntei a minha mão à dele apertando-a com todas as minhas forças.

-Vamos esperar por ti, o tempo que for preciso.-a minha voz cedia a cada palavra- eu sei que vais voltar meu amor, voltas sempre –Nunca mentira tão bem em toda a minha vida.

Os lábios dele vieram ao encontro dos meus e, num beijo suave mas eterno, seguido de um abraço apertado e saudoso, despedi-me do meu marido, futuro pai do meu filho e eterno amor mas guerreiro de uma causa tão nobre que só por isso valia a pena esperar meses pelo seu regresso.

O comboio partiu e o seu rosto sumiu, acenando com um sorriso falso e as lágrimas a caírem-lhe pelo rosto em diante. Sabia, tão bem quanto eu, que o seu regresso era incerto e que, mais tarde ou mais cedo, algo podia dar errado.

-O papá vai voltar não tarda nada meu amor. – falava com ele, com o “nosso bebé”.




Não tinha outra alternativa a não ser acreditar que, em pouco tempo, iria voltar a te-lo nos meus braços. Porque, inevitavelmente sofrida, a vida é feita de esperanças. O amor eterno é uma delas.

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